Empreendedora indígena aposta em artesanato com bananeira para conservar cultura ancestral: ‘minha forma de resistência’


Valdélia Wapichana se especializou na tradição de seu povo de confeccionar peças com fibras de bananeira e hoje vê na prática uma fonte de renda. Artesã é uma das empreendedoras no setor da Economia Criativa, segundo o Sebrae. Valdélia aprendeu com o pai a confeccionar itens com a bananeira
Caíque Rodrigues/g1 RR
A banana tem uma grande importância para as comunidades indígenas em Roraima, mas seu valor vai além do culinário. Para conservar os costumes de seu povo, a artesã e empreendedora Valdélia Wapichana, 32 anos, da comunidade do Araçá, em Amajari, no Norte do estado, se especializou em peças artísticas totalmente feitas com folhas e fibras da bananeira. O resultado encanta pela beleza e pelo potencial sustentável: “é a minha forma de resistência”.
A ideia é juntar tradição, economia e sustentabilidade de forma a celebrar os costumes do povo Wapichana, pois a bananeira é uma árvore muito presente no bioma roraimense, se tornando símbolo para os indígenas do estado. As peças artísticas de Valdélia se originam a partir do traço na palha da fibra e na confecção de papéis feitos a partir da folha da árvore.
Com o pequeno negócio, Valdélia é uma das 5.138 pessoas que se firmaram no mercado boavistense como microempreendedores individuais, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Na semana do Dia dos Povos indígenas, celebrado na última quarta-feira (19), o g1 mostra a história da artesã que uniu sustentabilidade e criatividade para empreender a partir da cultura ancestral.
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Ela trabalha vendendo as peças artísticas desde 2009 e a bananeira acabou virando um empreendimento e o sustento dela e de sua família. Entre as peças produzidas estão cestos, garrafas enfeitadas, blocos de nota, entre outras coisas.
Ela estima que vende mensalmente de forma online cerca de 30 itens feitos com a bananeira. Para ela, as vendas são uma conquista pessoal, mas também para o povo Wapichana.
“Essa arte tem a capacidade de conectar a escrita, a ecologia, a arte plásticas e muitas coisas que nos possibilitam transformar. Nisso, eu coloco minha vivência enquanto mulher e enquanto indígena. Com isso valorizamos o nosso grafismo, a nossa resistência a nossa ancestralidade e o nosso dia a dia, pois a nossa cultura é diária dentro da nossa comunidade”, destaca Valdélia.
Valdélia é uma das empreendedoras que usou da criatividade e da sua tradição para empreender em Roraima. De acordo com a Gestora de Projeto de Economia Criativa do Sebrae em Roraima, Natalia Caldas, esse tipo de negócio é favorável para todos os agentes — inclusive para as comunidades indígenas.
“O empreendedorismo indígena pode ajudar a preservar e promover a cultura e os valores indígenas. Assim como aumentar a conscientização e o respeito pela diversidade cultural do estado. Isso pode levar a uma maior valorização dos recursos naturais e culturais das comunidades do nosso estado”.
‘Vovó Bananeira’
A bananeira faz parte dos costumes do povo Wapichana. A artista conta que, antigamente, após a colheita do cacho de banana, a árvore e as palhas eram jogadas fora, com isso surgiu a ideia de utilizar todo o material que iria para o lixo. A conexão com a bananeira é tão forte, que Valdélia chama a planta de .”Vovó Bananeira”
A artesão planta as bananeiras no quintal de sua própria casa. Cada detalhe no processamento é feito por ela com cuidado e dedicação. Antes de virar um papel ou um cesto, as palhas são cortadas e cozidas, depois lavadas e batidas no liquidificador.
Valdélia planta as bananeiras no quintal de sua própria casa
Caíque Rodrigues/g1 RR
Valdélia conta que o costume da bananeira é algo passado de geração para geração em sua comunidade, tendo seu pai ensinado a ela quando mais jovem. Para ela, toda a sua vivência é depositada no material produzido a partir da planta.
“Essa é a luta que eu carrego no meu sangue enquanto mulher, mãe e indígena e eu busco levar isso para a minha arte. Essa resistência que me fortalece. Eu coloco tudo isso no meu artesanato, mas não só para mim, para as futuras gerações de indígenas. Minha ideia é passar isso adiante e manter a arte da folha de bananeira para as futuras gerações”.
A artesã também vende os papeis feitos com a fibra de bananeira para outros artistas usarem como tela. De acordo com ela, isso propõe uma nova perspectiva em que a sua vivência se mistura com a de outro artista, virando uma só.
Valdélia pinta com tinta de urucum as folhas confeccionadas por ela
Caíque Rodrigues/g1 RR
A artesã também personaliza as folhas. Os blocos de nota e os cadernos personalizados são os itens mais requisitados. Por meio da tinta feita com o urucum, ela reproduz o grafismo indígena nos materiais.
“Eu personalizo muito blocos de notas, grafismo com urucum, que é uma tinta artesanal tradicional que eu coloco sobre o papel. Eu mesmo faço a tinta. Em parceria com outros artistas eu produzo o papel artesanal para que eles preencham com a sua perspectiva artística. Eu faço cesta com a fibra da bananeira. Tudo mostra minha vivência”.
“Antigamente, nas roças das comunidades indígenas, trabalhávamos com muita produção de banana. Tinha muita produção mesmo de banana e eu via muito, após a extração do cacho de banana, o descarte do tronco e de todo resto. As virava adubo para as próximas gerações da planta, mas era sempre descartado. A banana é tão presente que chamamos ela de ‘Vovó Bananeira'”.
Os itens confeccionados por Valdélia podem ser adquiridos pelo seu Instagram
Caíque Rodrigues/g1 RR
Valdélia começou a se especializar nas técnicas a partir do momento em que começou a cursar gestão territorial indígena na Universidade Federal de Roraima (UFRR). Desde então, ela não parou mais e agora, além de ser um empreendimento, é o objeto de sua pesquisa de mestrado em letras também pela UFRR.
“Desde lá eu venho me aperfeiçoando. Desde esse período eu venho trabalhando com o papel artesanal e isso tem me trazido renda e é uma forma de sustento. O curso de gestão territorial possibilitou fazer uma pesquisa dentro desse projeto como patrimônio indígena. Com ênfase nessa técnica de artesanato, eu faço um mestrado em Letras pesquisando a partir disso, sobre o patrimônio indígena”.
Valor cultural da bananeira
Valdélia Wapichana exibe suas artes feitas com folha de bananeira
Caíque Rodrigues/g1 RR
A valorização da bananeira, de acordo com Valdélia, faz parte de um processo de proteção da cultura e da rotina dos povos Wapichana.
“Tudo o que fazemos dentro das comunidades indígenas é resistência. Nossa rotina é resistência e, por isso, até o fato de plantar e usar a folha de bananeira já é rico e valioso para a gente. Através do artesanato com a fibra da bananeira, eu venho apenas reafirmar a arte coletiva indígena. A arte do fazer, da escrita, a arte da nossa cultura. Essa arte vai muito mais além do que um artesanato, é um contexto histórico”.
Natalia Caldas destaca que o setor de empreendimentos criativos, como o de Valdélia, vem crescendo no Brasil e no mundo. As áreas artesanais — principalmente dos povos indígenas — valoriza o setor em Roraima.
“Eu acredito que valorizar a arte indígena é valorizar a cultura. É a forma fundamental de expressão cultural de transmitir a história que temos. Além de contribuir com o resgate e conservar tradições. O empreendedor criativo se diferencia do empreendedor comum justamente pela sua capacidade de criar soluções inovadoras, atender a necessidade do mercado com as suas resoluções”, diz a gestora.
“Embora Roraima seja um estado relativamente pequeno em termos de população, é possível sim a existência de grandes oportunidades para o desenvolvimento da economia criativa no nosso estado, principalmente os voltado para o artesanato”.
A arte com folhas de bananeira é algo que vai além do belo. Para Valdélia, é uma maneira de se conectar com os seus ancestrais, pois essa diversidade de saberes expressam a própria história e os costumes culturais que são passados de pai para filho.
“Como um meio econômico, sustentável, por que não utilizar tudo o que a planta pode nos oferecer como matéria prima para transformar em artesanato, em arte e em objetos que a própria comunidade vai usufruir? É algo feito pela comunidade e para a comunidade”.
“Esse trabalho é muito além das minhas artes. Ele fala muito do processo histórico e da ancestralidade que eu carrego como indígena Wapichana. Através da bananeira e da ecologia eu venho para ressaltar a importância de trabalhar um meio sustentável dentro da comunidade indígena”.
Valdélia vende seus trabalhos através de sua conta no Instagram. Para adquirir uma peça, clique aqui.
As pinturas também fazem parte do processo criativo de Valdélia
Caíque Rodrigues/g1 RR
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