Com filho sem andar há oito meses após acidente, mãe vive drama e batalha judicial com prefeitura por cirurgia: ‘sentimento é de dor’


Justiça mandou prefeitura realizar cirurgia, mas também cobrou R$ 9 mil da família em restituição à prefeitura pelo procedimento que nunca foi feito. Defensoria Pública do estado acusa prefeitura de insistir em não prestar o atendimento ao menino. Município afirma não ter sido notificada e diz que como a família ‘optou pela judicialização’, procedimento só será feito por decisão judicial. Hospital da Criança Santo Antônio, administrado pela Prefeitura de Boa Vista
PMBV/Divulgação/Arquivo
“Raiva” e “dor”. Esses são os sentimentos que definem a vida da dona de casa Ethel Teixeira, de 38 anos, nos últimos oito meses. É que nesse período, ela aguarda pela cirurgia ortopédica do filho, um menino de 13 anos. Ele sofreu um acidente doméstico, deslocou o fêmur da bacia, chegou a ser internado no Hospital Santo Antônio, mas foi liberado para casa e desde setembro do ano passado está sem andar.
A mãe enfrenta uma batalha judicial para que a prefeitura de Boa Vista faça a cirurgia. A realização do procedimento virou impasse na Justiça dezembro do ano passado, quando a família do menino procurou a Defensoria Pública do Estado (DPE-RR) em busca de apoio.
À época, após ação da DPE-RR, a Justiça mandou que a prefeitura garantisse a garantisse a cirurgia do menino, o que não ocorreu até esta sexta-feira (2). Neste período, o menino passa a maior parte do tempo em cima de uma cama, e impossibilitado de exercer direitos básicos a toda criança, como brincar e ir à escola.
“O sentimento é de dor em ver o meu filho jogado em cima de uma cama, sem viver. Lembrando que ele é uma criança autista, mas mesmo assim, dentro da condição, era uma criança muito ativa, muito alegre, que brincava muito. Ver meu filho perguntando todo o dia ‘mamãe e ai, falaram alguma coisa da cirurgia?’, eu dizer que ‘não’ e o meu filho chorar [dói]. Todos [família] estamos aflitos”, diz a mãe, que já não sabe mais a quem recorrer.
No último dia 12 de maio, a Justiça determinou novamente que a prefeitura de Boa Vista realize a cirurgia. Mas, também determinou que a família do menino restitua ao município o valor de R$ 9 mil, referente a gastos com as passagens aéreas de médicos e auxiliares que fariam a cirurgia ainda quando saiu a primeira decisão (entenda mais abaixo).
A mãe do menino afirma que não tem tido apoio necessário do poder público, pois precisa pagar medicamentos manipulados que custam cerca de R$ 400 por mês. Sem a cirurgia, o filho tem enfrentando outros problemas.
“Ele está com crise de depressão. Têm dias que ele não quer comer. A conselheira tutelar pediu atendimento psicológico da secretaria do município e até agora nada […] Não fica muito tempo sentado, porque ele sente dor. Eu não tenho uma cadeira de rodas, tem que ser uma cadeira de rodas ortopédica. É uma situação complicada!”.
Em nota, a prefeitura disse que aguarda ser notificada pela Justiça, pois como a família “optou pela judicialização do quadro clínico”, a cirurgia só será feita após a decisão judicial. Disse ainda que tem dado assistência através de “consultas, exames e transporte do paciente à unidade hospitalar” (leia a nota na íntegra no fim da reportagem).
A DPE-RR, que tenta garantir o direito à cirurgia ao menino, acusa a prefeitura de Boa Vista de insistir em não prestar o atendimento ao menino, “recorrendo insistentemente de todas as decisões”. O órgão afirma que trabalha “para reverter a determinação da restituição” (leia a nota na íntegra mais abaixo).
À época em que sofreu o acidente doméstico, ele ainda tinha 12 anos e não fez a cirurgia no Hospital da Criança por falta de material. Assim, foi mandado para casa para tentar Tratamento Fora do Domicílio (TFD), mas, o caso segue sem solução. Agora, com 13, o menino não frequenta a escola e estuda por apostilas.
“Só peguei até agora desde que começou o ano escolar duas ou três apostilas, só isso. E porque eu mesma fui na escola pedir algum material para ele não perder o ano”, detalhou.
Batalha na Justiça
A batalha pela cirurgia do filho iniciou em dezembro de 2022, quando o defensor público Jaime Brasil, entrou com a ação contra a prefeitura no dia 14 daquele mês. Na avaliação dele, a cirurgia era fundamental para que a manutenção da saúde do menino.
Depois, no dia 22, na véspera de Natal, o pedido foi reiterado pelo defensor Januário Lacerda, que estava atuando durante o plantão do recesso forense do fim de ano.
“Isto posto, sendo a cirurgia imprescindível para a manutenção da saúde da criança, bem como ser o único tratamento capaz de minimizar as sequelas da enfermidade, combatendo os terríveis danos irreversíveis que podem suceder em caso da não intervenção cirúrgica, outra alternativa não restou senão a busca da tutela jurisdicional deste douto juízo para obrigar o Município de Boa Vista a custear o tratamento fora de domicílio pondo a salvo o direito à vida e à saúde do infante”, mencionou o defensor em trecho da petição.
No dia 27 de dezembro, ainda no recesso, o juiz Parima Dias Veras, da 2ª Vara da Infância e Juventude, obrigou a prefeitura a garantir a cirurgia. À época, o município alegou que não havia equipamentos e nem equipe médica, e recorreu da decisão.
Depois, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 121.569,60 das contas da prefeitura, referente ao valor da cirurgia, para que uma empresa realizasse o procedimento. Em março deste ano, com data já definida, a família foi surpreendida pela remarcação da cirurgia.
Então, a prefeitura recorreu novamente da decisão e pediu o recolhimento do valor. Na prestação de contas, a empresa restituiu R$ 111.638 mil, e disse que os R$ 9.931,60 restantes tinham sido usados para pagar a passagem da equipe médica de Manaus para Boa Vista. Ao reagendar, segundo a empresa, a companhia aérea não restituiu o valor e esta conta agora é cobrada da família do menino.
“Os R$ 9 mil que foram gastos pelo médico, o juiz disse para nós, pais do Luan, pagar, quando esse dinheiro nunca nem passou pelas nossas mãos. É complicado, porque já não sei nem para onde recorrer para ter a cirurgia do meu filho”, lamentou.
Enquanto convive com a incerteza sobre a saúde do filho, a mãe também enfrenta a dor e a raiva de vê-lo deitado na cama, sem poder viver como as outras crianças e como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, de que a proteção legal de menores inclui o direito à vida, à saúde, à liberdade, à dignidade, à convivência familiar e social.
Nota da prefeitura
A Secretaria Municipal de Saúde informa que já estava com processo emergencial para a execução do procedimento do paciente, entretanto, a família da criança optou pela judicialização do quadro clínico.
Mesmo com o processo judicial em trâmite, o Hospital da Criança Santo Antônio tem dado assistência à família, como a realização de consultas, exames e transporte do paciente à unidade hospitalar.
A Prefeitura de Boa Vista reitera que é solidária à situação do paciente e família. Mas, como o caso seguiu para decisão do Poder Judiciário, qualquer resolução deve ser executada somente após determinação judicial. A prefeitura segue aguardando ser notificada pela justiça sobre a decisão tomada
Nota da Defensoria Pública do Estado
A Defensoria Pública do Estado de Roraima (DPE-RR) por meio do gabinete do defensor público Jaime Brasil, atuante junto à 1ª e 2ª Vara da Infância e Juventude, informa que logo após o proferimento da sentença, embora favorável ao infante foi necessário protocolar ação com pedido de reconsideração da sentença, no que diz respeito a restituição do referido valor, visto que a citada quantia jamais foi repassada aos pais do menor e muito menos utilizada para a realização da cirurgia. Entretanto, o juiz do caso não acatou o pedido da DPE-RR, e diante disso, atualmente, a Defensoria Pública trabalha no recurso de apelação para reverter a determinação da restituição.
A DPE-RR reitera que a realização da cirurgia é o objetivo da instituição neste caso, todavia, a Prefeitura de Boa Vista tem insistido em não prestar esse atendimento, recorrendo insistentemente de todas as decisões que beneficiam o infante assistido.
Por fim, a Defensoria Pública do Estado de Roraima salienta seu compromisso e missão constitucional da garantia de direitos da população roraimense.
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