“Nós estamos vivas?”

Mesmo que imagens valham mais do que mil palavras, as figuras razoavelmente compostas e sorridentes das sete reféns libertadas até agora pelo Hamas condizem pouco com seu universo interior. O próprio evento do sequestro, no dia 7 de outubro de 2023, foi marcado por violência desmedida, protagonizado por homens armados e drogados (está comprovado que os terroristas ingeriram anfetaminas antes da invasão ao sul de Israel). 

Naamá LevyReprodução

As imagens de destruição no kibutz Kfar Aza, onde Doron Steinbrecher e Emily Damari viviam, e do momento em que as soldadas Naamá Levy, Daniela Gilboa, Karina Ariev e Liri Albag foram rendidas dão uma dimensão do evento.

Destruição no kibutz Kfar AzaReprodução

Filme sobre o momento do sequestro das soldadas israelenses 

Estas reféns foram mantidas em cativeiro por mais de 470 dias. Não apenas sem liberdade, como também sem as mínimas condições de higiene, sem alimentação e sem cuidados médicos – mesmo no caso daquelas que foram feridas gravemente durante o sequestro como Emily Damari, que sofreu a amputação de dois dedos. Todas elas foram mantidas por boa parte desses mais de 15 meses em túneis escuros, sem nenhum sistema de ventilação e em total isolamento.

“Nós estamos vivas?” foi a pergunta que, segundo os familiares, Naamá Levy teria feito às outras reféns após ter sido mantida isolada por semanas em um túnel – o que dá uma ideia das condições extremas às quais foram submetidas. A conturbada condição mental e psicológica das reféns fez com que a Agência de Segurança de Israel não iniciasse imediatamente as interrogações, deixando-as livres para indicar o momento em que sentirem-se preparadas para falar a respeito do que passaram ao longo destes mais de 15 meses.

Mudanças frequentes de cativeiro

Algumas poucas informações, coletadas pela imprensa por meio de amigos e familiares, mostram alguns poucos aspectos da rotina das quatro nesses quase 16 meses de cativeiro. Elas foram mantidas, alternadamente, em túneis ou na casa de civis, onde eram usadas para trabalho escravo doméstico, como cuidar das crianças, limpar e cozinhar. O detalhe sinistro fica por conta da proibição de tocar na comida: a dieta de muitos reféns libertados na primeira negociação, em novembro de 2023, era baseada em um pão sírio e um pepino por dia – a fome, por vezes extrema, foi a forma de abuso usada inclusive contra crianças e idosos. Importante lembrar que a idade dos 251 reféns capturados varia entre 8 meses e 86 anos. 

Um dos túneis em que reféns foram mantidosReprodução

As reféns relataram que eram proibidas de rir, chorar, falar entre si, darem as mãos ou abraçarem-se.

Na parte do tempo em que foram mantidas juntas, elas foram chamadas por seus captores de “as soldadas”. Esse era o tema de muitas cenas e provocações humilhantes. Informações a respeito de abuso sexual via de regra não são divulgados em Israel, assim como fotos de pessoas gravemente feridas ou corpos – o que acaba gerando acusações entre ativistas e entidades anti-Israel. Até o momento, apenas duas reféns (libertadas em novembro de 2023), a advogada Amit Soussana e a designer de joias Moran Stella Yanai, tiveram a coragem de falar a respeito do estupro que sofreram em cativeiro. Já outra refém, Aviva Siegel, de 65 anos, comentou ter presenciado cenas de abuso e espancamento enquanto estava presa no mesmo túnel que as cinco soldadas. “Sempre que uma delas era levada para outro local, ouvíamos os seus gritos. As outras meninas, sabendo do quanto isso me chocava, me pediam para tapar os ouvidos”, ela contou em diversas entrevistas.

Aviva ainda aguarda a libertação de seu marido, Keith Siegel, que é cidadão americano.

Essa decisão do governo – de restringir informações a respeito de abusos sexuais – tem a preocupação de proteger a privacidade dos cidadãos israelenses.

Uma das entrevistas concedidas por Moran Stella Yanai sobre seus 51 dias de cativeiro em Gaza 

Crimes contra a humanidade

Ocasionalmente, as reféns foram expostas a notícias de rádio ou TV, e assim acompanharam alguns momentos da guerra. Elas citam que, principalmente, sabiam da luta que estava sendo travada por suas famílias em prol de sua libertação, o que, segundo elas, as ajudou a sobreviver.

A imagem das quatro sorridentes sobre um palco, pouco antes de serem entregues à Cruz Vermelha, confundiu um pouco o público israelense, até mesmo porque, há poucos dias, o Hamas divulgou um vídeo em que Liri Albag aparece abatida, trêmula e chorosa. Segundo elas, essa foi a forma de mostrarem que “nos colocar em um palco não nos afeta – somos mais fortes do que isso”, comentaram os familiares.

Sabe-se também que os reféns vivos estão sendo melhor tratados nos últimos dias para causar boa impressão no momento de sua libertação.

Filme criado pelo Hamas sobre a libertação das quatro soldadas 

Todos esses eventos constituem uma violação da lei internacional. “Cada dia que elas passaram em cativeiro constituiu um crime contra a humanidade. Seu sofrimento não pode ser esquecido”, declararam oficiais israelenses.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.