Não se trata tão somente de uma coincidência o tema de ontem ter sido sobre pistolagem, mas da explicitação de uma realidade flagrante que as autoridades fingiam não enxergar. Os crimes de pistolagem praticados em Roraima desde os tempos de Território Federal estão sendo reconfigurados e, agora, passaram a ser praticados também pelo crime organizado.
Os corpos que estão sendo desenterrados de um cemitério clandestino encontrado em uma área de invasão entre os bairros Pricumã e Cinturão Verde, são produtos do poder de fogo de uma facção criminosa venezuelana que dá as ordens naquela região, além dos bairros São Vicente, 13 de Setembro e Calungá, todos dominados pelo tráfico de drogas.
Como os corpos esquartejados de venezuelanos eram desovados em áreas movimentadas nesses bairros sob domínio do crime, chamando muita atenção e que desafiavam as autoridades a darem uma resposta à sociedade, os faccionados decidiram pelo cemitério clandestino, longe dos olhares da polícia, mas bem perto de seus alvos que são julgados por um “tribunal do crime”.
Mas essa realidade da transição da pistolagem dos coronéis da política para a pistolagem das facções criminosas não é exclusiva de Roraima, onde a migração em massa de venezuelanos internacionalizou o crime. Realidade muito semelhante vem ocorrendo há um certo tempo em cidades do Nordeste, com destaque para o Estado do Ceará.
Embora o pistoleiro de aluguel tenha sido substituído por faccionados, a atuação é a mesma: eliminar quem desafie ou desagrade. Seja aqui ou em qualquer canto do país, a atuação de faccionados é consequência do fortalecimento dos criminosos, que ampliaram sua atuação para o narcogarimpo, favorecidos pela falta de resposta à altura por parte das forças da Segurança Pública.
Em Roraima, há anos estamos assistindo a uma nova configuração do crime a partir da fronteira com a Venezuela e do avanço do garimpo ilegal, que hoje está sendo combatido ativamente pelo Governo Federal e pelas Forças Armadas. E a ação dos criminosos venezuelanos, os quais agem sob parceria com o crime organizado brasileiro, não tem recebido a devida atenção.
Os faccionados venezuelanos têm mostrado seu poder e audácia à luz do dia, baleando suas vítimas em locais movimentados, em frente de supermercados e da Rodoviária de Boa Vista, no bairro 13 de Setembro. Antes, como forma de aviso, os corpos eram desovados em via pública, inclusive na área central de Boa Vista, nas proximidades do mirante do Parque Rio Branco.
Como nunca houve uma resposta para combater e investigar a atuação desse bando, os criminosos seguiram com suas ações facínoras. E continuariam seguindo sem ser incomodados caso o cemitério clandestino não tivesse sido descoberto em uma ação da Polícia Militar, ao chegar a um venezuelano que fugia de faccionados compatriotas.
Até ontem à noite, cinco corpos haviam sido desenterrados, mas circulam informações de que podem ser mais. Embora seja uma realidade tenebrosa de novos tempos do crime organizado, na década de 1980, no tempo passado da pistolagem, Roraima ganhou as manchetes nacionais e internacionais com a descoberta de um cemitério clandestino.
Os tempos eram outros. E a criminalidade se remodelou e mostra que ninguém está seguro. Na pistolagem do crime organizado, os alvos de hoje são os venezuelanos, porém, com o fortalecimento econômico dos criminosos, amanhã qualquer jovem com uma pistola na cintura pode ser o pistoleiro e qualquer cidadão que estiver na rua, no bar, na praça ou em casa pode ser a vítima.
O fato a ser destacado é que os corpos estão aí, desenterrados de covas rasas. Agora as autoridades são obrigadas a agir e não podem mais fingir que nada de grave está ocorrendo. As cortinas que encobriam a realidade caíram.
*Colunista
O post Cemitério clandestino e a remodelagem da pistolagem para facções criminosas apareceu primeiro em Folh BV.