Médico denuncia mortes de três bebês por falta de assistência na maior maternidade de Roraima e MP abre investigação


Mortes foram por falta de assistência relacionada à diálise que pacientes precisavam, segundo relato do médico. Secretaria de Saúde informou que está ciente, mas ainda ‘não recebeu notificação de qualquer órgão de fiscalização e controle acerca de falta ou precarização nos procedimentos’. Maternidade Nossa Senhora de Nazareth em Roraima
Alexandro Pereira/Rede Amazônica
Um médico denunciou que três bebês recém-nascidos morreram por falta de assistência na Maternidade Nossa Senhora de Nazareth, a maior do estado, administrada pelo governo. O relato dele, que atua como plantonista na unidade, foi feito ao Ministério Público do estado, Conselho Regional de Medicina e Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Roraima.
No início deste ano, o número de mortes de bebês na maior maternidade de Roraima ultrapassou todo de 2022: foram 28 óbitos em 37 dias – até 7 de fevereiro, enquanto nos 12 meses anteriores, foram 20 óbitos.
Número de mortes de bebês na maior maternidade de RR em pouco mais de um mês é maior que todo ano de 2022
Nos relatos sobre três mortes, o médico citou que os três recém-nascidos estavam internados na UTI pediátrica e evoluíram para insuficiência renal aguda com necessidade de diálise peritoneal – procedimento feito com um cateter específico inserido no abdome do paciente, mas atendimento ou foram feitos de forma tardia, ou de forma inadequada. A mortes ocorrem entre os dias 18 a 21 de julho.
Em nota, o Ministério Público Estado informou que a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde recebeu a denúncia no dia 21 de julho e “abriu procedimento para investigar os fatos relatados e, então, adotar as medidas necessárias.”
O governo, por meio da Secretaria Estadual de Saúde (Sesau), responsável pela maternidade, disse que “está ciente das informações mencionadas, porém até o momento não recebeu notificação de qualquer órgão de fiscalização e controle acerca de falta ou precarização nos procedimentos de diálise no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth (leia a nota na íntegra abaixo).”
De acordo com o médico, a primeira morte foi de um bebê que estava com pneumonia grave. Por indicação da pediatra de plantão, foi solicitada a realização com urgência de diálise no dia 17 de julho, às 19h15. Cerca de 12 horas depois o procedimento não havia sido feito e o recém nascido morreu aos 22 dias de vida.
“Vale ressaltar , que mesmo o paciente grave , quando feito o tratamento dialítico correto, tempestivo e dentro das boas técnicas a chance desse paciente se recuperar seria de 25 a 50% . Sem a diálise essa chance caiu pra virtualmente zero”, citou ele em trecho da denúncia.
No segundo caso, o recém-nascida também passou por uma avaliação que indicou a necessidade imediata de diálise por volta das 12h35 do dia 18 de julho. No entanto, o procedimento se iniciou somente dia 20, dois dias depois.
Neste caso, o médico afirma ter encontrado “várias falhas graves na diálise em andamento”. Entre as falhas, ele citou que a forma como era feita não garantia ao bebê o controle de temperatura, “o que estava causando hipotermia”, que “o cateter inserido no abdômen tinha especificação de adulto e foi adaptado , mesmo havendo cateter de tamanho adequado no mercado”, além disso, não havia técnico em enfermagem responsável no local.
Até o dia seguinte, segundo o médico, o procedimento continuava da mesma forma, “completamente inadequado”. O recém-nascido tinha 24 dias de vida e morreu dia 21 de julho.
“Ressalto que o procedimento da forma que foi executado , com atraso de mais de 2 horas para o início, além da má técnica aplicada podem ter contribuído para o óbito da criança”, disse ele.
A terceira morte foi a de um bebê de cinco dias nascido. Com insuficiência renal aguda, ele também teve indicação de diálise imediata no dia 20 de julho, o que não ocorreu, conforme o médico. Até o dia seguinte, a criança ainda estava sem o cateter nem diálise e morreu.
Na avaliação do médico, nos três casos havia chances de recuperação dos bebês. “Reforço novamente que pacientes com essas características quando aplicado a técnica correta tem chances entre 25 a 50% de se recuperar , portanto rechaço possível narrativa de que a criança evoluiria de qualquer forma para óbito”, pontuou.
A Comissão de Saúde e Saneamento da Assembleia Legislativa de Roraima disse que recebeu a denúncia e avalia “o devido encaminhamento regimental”.
O Conselho Regional de Medicina de Roraima (CRM-RR) também recebeu e afirmou que “irá adotar todas as medidas cabíveis.”
Além das mortes dos três bebês, o médico também acusou a secretária de Saúde, Cecília Lorezon, além da direção do Hospital Geral de Roraima, outra unidade do estado, de promover “verdadeira perseguição com os médicos nefrologistas estatutários gerando doenças psíquicas e afastamentos.”
Sobre esta acusação, a Sesau disse em nota que “no que se refere às acusações de assédio moral contra médicos nefrologistas, a pasta ressalta que não faz parte da conduta da atual gestão a prática de tais medidas, e estranha o fato de a discussão surgir justamente quando houve perda de exclusividade do contrato da empresa responsável pela prestação do serviço, da qual os médicos mencionados são sócios proprietários. E que até o momento não recebeu nenhuma denúncia de assédio moral na Ouvidoria da Saúde.”
Atualmente, a maternidade Nossa Senhora de Nazareth funciona onde antes era o antigo hospital de campanha para pacientes com Covid. A estrutura das tendas, feita para ser temporária, é chamada pela população local de “maternidade de lona”.
A promessa do governador Antonio Denarium (PP) era entregar a reforma do prédio onde deveria ser a maternidade em janeiro deste ano, o que não ocorreu.
As datas das mortes citadas na denúncia do médico coincidem com o período em que houve o impasse da Clínica Renal com o governo – a empresa paralisou as atividades porque o governo devia mais de R$ 8 milhões. A dívida foi quitada, ela voltou a atender pacientes, mas, neste período, o estado contratou uma outra empresa.

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