Em dezembro de 2024, a Polícia Federal deflagrou a Operação Overclean, que mira uma organização criminosa que teria desviado R$ 1,4 bilhão em recursos de emendas parlamentares.
Desde então, há uma parcela de políticos brasileiros que vivem sob tensão, uma vez que a operação da PF pode atingir alguns integrantes do União Brasil, que teriam apadrinhado as emendas parlamentares que bancaram contratos milionários de licitações fraudulentas.
Esquema criminoso em 17 estados
Segundo as investigações, o esquema criminoso operava em 17 estados e em dezenas de municípios, sempre em locais onde o União Brasil tinha grande influência política. A constatação foi feita a partir da análise dos documentos apreendidos no avião do empresário José Marcos Moura, conhecido como “Rei do Lixo”, interceptado em Brasília com R$ 1,5 milhão em dinheiro.
Para a PF, Moura é a figura central do esquema criminoso. O empresário faz parte da cúpula do União desde junho de 2023 por indicação do vice-presidente nacional do partido, ACM Neto. Suas empresas, que atuam no ramo de limpeza urbana, têm contratos bilionários com a prefeitura de Salvador desde a gestão de Neto, herdados pelo atual gestor da capital baiana, Bruno Reis, que também é do União Brasil.
Além de Moura, a PF também aponta o empresário Alex Parente e o ex-coordenador do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) na Bahia Lucas Maciel Lobão Vieira como líderes do esquema. A dupla estava no avião de Moura apreendido em Brasília, portando os documentos que, posteriormente, se tornariam provas da investigação.
“A análise, ainda que preliminar, do material apreendido quando da ação controlada demonstra que o material apreendido consiste em controle informal de pagamento de propinas”, diz a PF em relatório.
Além das suspeitas nos contratos de coleta de lixo e limpeza urbana, as empresas investigadas teriam, segundo a PF, participado de desvios de recursos para obras de pavimentação, dedetizações e até entrega de material escolar a prefeituras.
“A atuação do grupo era estruturada em operadores centrais e regionais que cooptavam servidores públicos para obter vantagens ilícitas, tanto no direcionamento quanto na execução de contratos. Após a celebração dos contratos fraudulentos, as empresas envolvidas superfaturavam valores e aplicavam sobrepreços, repassando propinas por meio de empresas de fachada ou métodos que ocultavam a origem dos recursos”, descreve a PF.
Saldos da investigação
Até o momento, a investigação teve duas fases: a primeira, em 10 de dezembro de 2024, prendeu 17 pessoas e cumpriu 43 mandados de busca e apreensão na Bahia, Tocantins, São Paulo, Minas Gerais e Goiás; a segunda, em 23 de dezembro, terminou com mais quatro pessoas presas e diligências realizadas em Brasília e cidades baianas.
O empresário José Marcos Moura, preso no dia 11 de dezembro, foi liberado oito dias depois, com um habeas corpus concedido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Além disso, a Operação Overclean apreendeu 3,4 milhões de reais em espécie, além de 23 carros, três aeronaves, três barcos, seis imóveis e 38 relógios de alto padrão.
Agora, os investigadores estão analisando o material coletado. O objetivo é entender quem foram os beneficiados desse esquema criminoso.
Somente no DNOCS, a Allpha Pavimentação, uma das empresas dos irmãos Parente, tem cerca de R$ 130 milhões em contratos firmados. Desde 2021, a empresa já recebeu R$ 67 milhões do governo federal em emendas do orçamento secreto – por isso, não há como saber qual político é o padrinho da indicação.
Menções a políticos e agentes públicos
A Operação Overclean foi remetida ao Supremo Tribunal Federal (STF) após a PF identificar uma menção ao líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), nas provas apreendidas. Além dele, o nome de Ana Paula Magalhães, chefe de gabinete do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), também aparece nas negociações com suspeitos presos na operação para viabilizar contratos com prefeituras.
Visita a Bolsonaro
Dados obtidos pela CNN Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação apontam que Moura esteve no Palácio do Planalto durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), no dia 21 de dezembro de 2022, às 9h58. É a única visita registrada do empresário.
Por meio de sua assessoria, Moura disse não se recordar do que o levou até o Palácio do Planalto naquele dia, e nem soube informar com quem esteve. O nome do empresário não consta em nenhuma agenda oficial de autoridades do governo, o que vai contra a norma da Controladoria-Geral da União que determina a transparência das agendas governamentais.
Também não há registros de uma agenda oficial no Planalto, nem encontros de ministros ou outras autoridades no local. Na época, a assessoria de Bolsonaro explicou que ele estava com uma enfermidade na perna e recluso no Palácio da Alvorada.
O que diz a defesa do “Rei do Lixo”
Por meio de comunicado, a defesa de José Marcos Moura disse que o termo Rei do Lixo é “equivocadamente atribuído” a ele, que tem “atuação reconhecida e respeitada no ramo da coleta e destinação de resíduos.”
Ainda, afirma que ele não possui contratos com o DNOCS da Bahia ou exerce atividade relacionada a obras públicas.
“Importante reforçar que todos os outros elementos apontados em fase de investigação são apenas ilações, sem qualquer comprovação”, disseram os advogados Antonio Vieira, Felipe Carvalho e José Eduardo Alckmin.