Dos 11 ministros, 7 votaram para derrubar tese que limita demarcações de terras indígenas. Pelo marco temporal, povos originários apenas teriam às terras que já eram ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988 ‘Vitória de uma luta que não acabou’: milhares de indígenas em Roraima comemoram queda de
“É uma vitória de uma luta que ainda não acabou. Os povos indígenas hoje comemoram”, a fala é da liderança macuxi Valdir Tobias, de 74 anos. Ele participou da elaboração do Art. 231 da Constituição Federal de 1988 — que trata sobre os direitos dos povos indígenas — e hoje, junto a cerca de 4 mil indígenas, comemora na Praça do Centro Cívico, em Boa Vista, a queda do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (21).
Dos 11 ministros da Corte, sete já votaram para derrubar tese que limitaria demarcações de terras indígenas (saiba mais abaixo). A tese defende que indígenas só têm direito às terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Valdir Tobias, 74 anos, liderança macuxi em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
“No ponto de visto daquilo que em 1988 eu ajudei a criar, eu vi hoje o STF respeitar os direitos dos povos indígenas que é assegurado na Constituição Federal. A vitória do certo, do bem. Se não tivesse sido derrubada, seria uma tragédia, um desrespeito. Nosso povo está contente, tem muito o que comemorar. Estou muito feliz!”, disse, emocionado, ao g1 a liderança.
São cerca de 4 mil indígenas de diversas comunidades de Roraima que se reuniram aos pés do Monumento ao Garimpeiro — símbolo da exploração mineral no estado, hoje ilegal e considerada uma das causas da crise vivida pelo povo Yanomami —. Com dança, felicidade, emoção e muito forró tradicional das comunidades, os presentes gritavam palavras de ordem como: “Fora, marco temporal!”.
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Indígenas comemoram queda do marco temporal no STF em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
O coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Edinho Macuxi, destaca a importância da queda da tese no STF não só para os indígenas roraimenses, mas para todo o Brasil.
“A importância de ter isso [a queda do marco temporal no STF] confirmado hoje é de primeiro a garantia da Constituição de fato. Como o Brasil é grande, é preciso respeitar a Constituição. Em segundo, não é importante só para os povos indígenas de Roraima, mas de todo o Brasil porque sem território não existe educação de qualidade, não existe saúde, dignidade, liberdade”
“Pra nós, hoje é uma data marcante. Um dia de celebração e vitória como os outros que virão. É uma grande conquista, a gente sabe que a luta ainda não terminou, mas é um passo nessa batalha”, diz o coordenador geral do CIR.
Indígenas comemoram queda do marco temporal com dança em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
Já para o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, Dário Kopenawa, a luta contra o marco temporal uniu todas as comunidades indígenas de Roraima por uma causa maior. Ele destaca que, caso fosse aprovada, a tese iria “enfraquecer os direitos que já foram preservados”.
“Essa tese do Marco Temporal não é de origem dos povos indígenas! Ela é do interesse das autoridades, dos empresários, das pessoas que fazem maldade para os povos indígenas. Isso não é do nosso interesse, não é para garantir os interesses dos povos indígenas através da Constituição. Os nosso direitos já foram homologados e registrados”, diz a liderança.
Dario Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami
Caíque Rodrigues/g1 RR
Veja como votaram os ministros até agora
A favor da tese do marco temporal:
André Mendonça
Kassio Nunes Marques
Contra o marco temporal:
Luiz Edson Fachin
Alexandre de Moraes
Luís Roberto Barroso
Cristiano Zanin
Dias Toffoli
Luiz Fux
Cármen Lúcia
O voto do ministro Luiz Fux consolidou a maioria contra o marco temporal, no início da 11ª sessão sobre o caso.
Fux salientou que a Constituição não é imune a interpretações. E que as terras indígenas, ainda que não demarcadas, precisam de proteção.
Marco Temporal
Indígenas dançam para comemorar queda do marco temporal no STF em Roraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
Na prática, a tese do marco temporal permite que indígenas sejam expulsos de terras que ocupam, caso não se comprove que estavam lá antes de 1988, e não autoriza que os povos que já foram expulsos ou forçados a saírem de seus locais de origem voltem para as terras.
Por isso, indígenas são contrários à tese do marco temporal. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 226 processos suspensos nas instâncias inferiores do Judiciário, aguardando uma definição sobre o tema.
O julgamento no Supremo Tribunal Federal foi iniciado em 2021. A tese, além de ser analisada no STF, tramita no Congresso Nacional. O Projeto de Lei 2903/2023 está em análise no Senado Federal.
O projeto também seria votado na quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado. No entanto, a votação foi adiada após o senador Marcos Rogério (PL-RO) realizar a leitura do parecer favorável e atender um pedido de vista (mais tempo para análise) dos senadores aliados ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Indígenas se reunem em Boa Vistapara comemorar queda do marco temporal no STF
Caíque Rodrigues/g1 RR
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