Professor Macuxi coordenou recenseamento no município com maior percentual indígena do país e se orgulha: ‘representatividade’


Filho de liderança e professor indígena, Novais Rodrigues coordenou o recenseamento em Uiramutã, município em que ele nasceu e que agora é a região do do Brasil com a maior quantidade relativa de pessoas indígenas. Uiramutã tem proporcionalmente maior população indígena do Brasil
“Representatividade de poder entender que o indígena tem espaço em qualquer ambiente, tem a capacidade de coordenar ou de assumir qualquer cargo público e fazer um bom trabalho”.
É assim que o coordenador censitário de subárea Novais Rodrigues, de 31 anos, indígena do povo Macuxi, define o significado da atuação dele no Censo Indígena 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em Roraima.
Recenseador é do município mais indígena do país
Samantha Rufino/g1 RR
Filho de liderança e professor indígena, Novais coordenou o recenseamento em Uiramutã, município em que ele nasceu e que agora é a região do do Brasil com a maior quantidade relativa de pessoas indígenas, com 96,6%. Ou seja, dos 13.751 habitantes, 13.283 se identificam como indígenas. O g1 esteve no município e visitou uma das comunidades (leia mais abaixo).
Anciã da comunidade em Uiramutã o neto
Samantha Rufino/g1 RR
Durante a pesquisa, Novais visitou diversas comunidades, entre elas as de difícil acesso de diferentes maneiras: de carro, a pé e até a cavalo. Para ele, um dos momentos marcantes foi a chegada em uma das aldeias distantes.
“Um dos relatos de campo que a gente tem do IBGE é que eu fui a campo com os recenseadores e foram horas de caminhadas. Foi algo que foi dificultoso no momento, mas eu acredito que foi muito gratificante porque quando a gente conseguiu alcançar o nosso objetivo foi algo que encheu o nosso coração de de alegria”, relembrou
Com um método diferente da coleta do censo domiciliar, os trabalhos do recenseamento indígena iniciaram em agosto do ano passado e finalizaram em março deste ano. Uma das principais diferenças foi a aplicação inédita de um questionário coletivo, chamado pelo IBGE de Questionário de Abordagem em Agrupamento Indígena.
O questionário foi respondido pela liderança da aldeia ou comunidade indígena, função que Novais exerceu durante a coleta dos dados. Além de Uiramutã, ele coordenou as ações em Normandia, o segundo município mais indígena de Roraima, também na Raposa Serra do Sol.
Novais durante o recenseamento em Uiramutã, município em que ele nasceu
IBGE
O questionário coletivo levou perguntas sobre características gerais da aldeia ou comunidade indígena relacionadas à identificação, a infraestrutura, acessos à educação e saúde, além dos hábitos e práticas daquele grupo.
Somente depois de aplicado o questionário coletivo, os recenseadores do IBGE visitaram todas as habitações da aldeia ou comunidade para realizar as entrevistas com cada família residente.
“Foi uma medida inédita que priorizou a diversidade cultural dos povos indígenas, faz o recenseador ficar mais preparado na realidade que ele vai está trabalhando para ele está fazendo a abordagem e a contagem da população, já que o objetivo do Censo é contar todo mundo, em todo o canto do Brasil”, disse Joana Darc, Analista de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE.
Joana Darc, Analista de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE
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‘Acalento das lideranças’
Em Roraima, Novais fez parte dos 40 recenseadores indígenas que atuaram na coleta nos territórios, apenas 30 foram não-indígenas. Além de Roraima, outros 19 estados brasileiros contaram com, ao menos, um recenseador indígena.
“Eu digo assim: tudo índio, tudo parente’. Então, a gente tem essa identificação muito boa e chegavam em algumas comunidades a gente tinha esse acalento das lideranças, da população, dos moradores das comunidades. Então, recebiam a gente muito bem, assim como a gente está sendo recebido da comunidade”, comentou Novais ao ser questionado sobre a facilidade de ser indígena durante o levantamento.
Novais e Joana Darc em conversa com uma anciã da comunidade
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📍 Uiramutã: região indígena na tríplice fronteira
Localizado na tríplice fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana, Uiramutã fica na região nordeste de Roraima, distante 280 km da capital Boa Vista, e é 10º mais populoso entre os 15 municípios de Roraima. A região tem uma área territorial de 8.113,598 km².
Uiramutã está localizado em região de serras
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Localizado na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, território emblemático na luta pela demarcação de terras indígenas, Uiramutã é cercado de serras e lavrado, vegetação típica de Roraima que atravessa as fronteiras da Venezuela e Guiana e é semelhante a savanas.
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol é onde vivem os povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana. A extensão territorial tem cerca de 1,7 milhão de hectares em área continua, onde estão distribuídas 222 comunidades.
Uiramutã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol
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O g1 esteve na comunidade indígena Pedra Branca, predominantemente do povo Macuxi, distante 34,2 km da sede de Uiramutã. Esta foi uma das milhares comunidades espalhadas pelo Brasil que recebeu os recenseadores do IBGE. Para chegar ao local, é preciso enfrentar estradas de terra esburacadas e pontes sem infraestrutura – uma viagem de 6 horas saindo da capital Boa Vista.
A comunidade Pedra Branca tem cerca de 600 pessoas e 120 famílias, segundo Jaime Leandro Rafael, tuxaua da aldeia. Com duas escolas e posto de saúde para atender a comunidade, a população de Pedra Branca tem criação de gado e roçado para subsistência.
No centro da aldeia, há casas simples, um grande malocão para as reuniões da comunidade e ao fundo um curral aberto para a criação de gado de um dos projetos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), além da roça com alimentos como cana, banana, milho e mamão.
Criação de gado da comunidade Pedra Branca
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A população cresceu durante os anos e quem acompanha esse crescimento é o coordenador da comunidade, Gregorio Alexandre de Lima, que comparou a sua função como “recenseador da comunidade”. A esperança da liderança é que as autoridades conheçam mais sobre os povos indígenas.
“Aqui a comunidade era bem pouco aqui, antes eram 150 pessoas, hoje tem 600 […] Então cada vez mais a gente vai se desenvolvendo e é importante o IBGE acompanhar isso. Não só da população, mas das criações dentro das comunidades e apresentar o que temos aqui e o que o povo indígena vem produzindo”, comentou.
Malocão da comunidade, onde ocorre reuniões
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Eles receberam uma recenseadora por 15 dias, que precisou de ajuda da própria comunidade para ir até casas mais distantes. Na visão do tuxaua Jaime, a pesquisa pode contribuir com a visibilidade do município.
“Pelo meu ver é muito importante que o IBGE leve as informações da pesquisa para todo Brasil, até mesmo para nossos alunos como uma fonte de pesquisa. A pessoa que estava aqui se esforçou, a gente até deu transporte para justamente dar apoio. Ela trabalhou muito para esse levantamento”.
Tuxaua e coordenador da comunidade Pedra Branca
Samantha Rufino/g1 RR
Novais, parte importante do processo para que o Censo do IBGE coletasse informações sobre os povos indígenas, espera que a pesquisa ajude a promover ações públicas. Filho de liderança e professor indígena, ele espera inspirar outros indígenas em espaços como esse.
“Fora da condenação do IBGE, também sou professor, sou treinador. Tem um papel muito importante da minha história até ao ponto que eu cheguei hoje na coordenação de ter feito um trabalho pelo IBGE e isso tem uma boa representatividade. Vejo que muitos dos alunos, muito dos jovens, muitas criança tem essa inspiração em ver algum indígena crescendo e fazendo um bom trabalho”, finalizou.
Crianças da comunidade Pedra Branca, em Uiramutã
Samantha Rufino/g1 RR
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