Alguns prédios nos arredores do centro da cidade têm estruturas originais preservadas até hoje, mas com funcionalidades diferentes. Boa Vista completa 133 anos neste dia 9 de junho de 2023. Boa Vista completa 133 anos neste 9 de julho de 2023; veja história em antes e depois
Ao caminhar pelo Centro de Boa Vista, nos arredores das avenidas Floriano Peixoto, Jaime Brasil e Sebastião Diniz, é possível se deparar com alguns prédios em que a arquitetura se destaca em meio às estruturas comerciais da atualidade. São os patrimônios históricos da capital de Roraima, que completa 133 anos neste domingo, dia 9 de julho de 2023.
Em comemoração ao aniversário da quinta capital mais antiga da Amazônia, o g1 visitou o centro histórico que um dia foi um pequeno povoado que se tornou vila, depois município e, por fim, a capital de Roraima – a única do Brasil acima da linha do Equador.
A reportagem recriou fotos raras das primeiras edificações construídas na cidade entre os séculos 19 e 20. Loja de assistência técnica, restaurante e até depósito de loja de departamentos são algumas das funções atuais dos primeiros prédios erguidos na cidade.
Confira abaixo a história das construções e como elas estão atualmente, em relação à quando foram construídas. Todas as fotos históricas são parte do acervo pessoal do doutor, colecionador e professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Maurício Zouein.
Características da Igreja Matriz foram preservadas desde 1920 até hoje, julho de 2023
Autor Desconhecido/Acervo/Maurício Zouein e Rayane Lima/g1 RR
Fazenda Boa Vista – Meu Cantinho
A sede da Fazenda Boa Vista do Rio Branco foi construída em 1830 pelo capitão Inácio Magalhães. O espaço foi primeira casa em alvenaria da cidade, onde hoje é a rua Floriano Peixoto. Dessa construção, originou-se um pequeno povoado ao redor, que em 1858, virou da freguesia de Nossa Senhora do Carmo.
Fazenda Boa Vista com a Paróquia Nossa Senhora do Carmo (Igreja Matriz) ao fundo, em 1904
George Huebner/Acervo/Maurício Zouein
Em 1890, a freguesia se tornou o município de Boa Vista do Rio Branco e a aglomeração em torno da fazenda passou se chamar vila de Boa Vista do Rio Branco. Em 1926, a vila ganhou status de cidade e em 1943 a cidade foi escolhida para ser a capital do então Território Federal de Roraima.
Hoje, a casa que era a antiga Fazenda Boa Vista do Rio Branco funciona o Bar e Restaurante Meu Cantinho, estabelecimento familiar fundado em 1968 – o espaço atualmente é gerido pela terceira geração dos atuais proprietários.
Bar e Restaurante Meu Cantinho com a Igreja Matriz ao fundo, em 2023
Rayane Lima/g1 RR
Igreja Matriz
Igreja Matriz na época da construção
Autor Desconhecido/Acervo/Maurício Zouein
Ainda na rua Floriano Peixoto está a Igreja Matriz de Boa Vista. Inicialmente, ela surgiu em 1725, como capela. Depois, em 1856 passou a ter um espaço maior e foi transformada em igreja matriz dois anos depois. Em 1920, os padres beneditinos reformaram o espaço, que virou oficialmente igreja e recebeu o nome pelo qual é conhecida até hoje.
Características originais da Igreja Matriz foram mantidas, de 1920 até hoje
Rayane Lima/g1 RR
Entre 2005 e 2007, a igreja matriz passou por uma restauração, onde teve as características arquitetônicas germânicas preservadas. Na época da reforma, foram encontradas pinturas originais nas paredes e elas foram restauradas.
A porta da Igreja Matriz ainda é a original, datada da década de 20
Rayane Lima/g1 RR
Prelazia
Com o objetivo inicial de ser um hospital, a construção da Prelazia ocorreu no início do século passado pela Ordem dos Beneditinos, em 1909. Em seu acervo, o pesquisador Zouein guarda uma foto do local ainda na década de 30.
Prelazia na década de 30
Autor Desconhecido/Acervo/Maurício Zouein
Em 1909, os padres beneditinos chegaram a Roraima para realizar o trabalho de evangelização. Em 1920, foram eles os responsáveis pela reforma da pequena paróquia de Nossa Senhora do Carmo, que viria a se tornar a Igreja Matriz.
A prelazia possui estilo neoclássico tem a arquitetura original preservada até hoje. O local nunca chegou a funcionar como hospital, como era previsto na época da construção. Por muito tempo, funcionou principalmente como residência dos padres e bispos da Ordem dos Beneditinos.
Atualmente a Prelazia funciona como sede da Diocese de Roraima
Rayane Lima/g1 RR
No ano de 1946, o governador Ene Garcez utilizou a construção como sede do governo do então Território Federal. Hoje, a Prelazia é a Sede da Diocese de Roraima.
A porta da Prelazia foi repintada recentemente, mas ainda é a original, da época da construção
Rayane Lima/g1 RR
Casa Petita Brasil
Construída a partir de 1886 e concluída em 1888 pelo Coronel Bento Ferreira Marques Brasil, a Casa Petita Brasil foi a segunda construída em alvenaria em Boa Vista. Por isso, é considerada a casa mais antiga da cidade ainda de pé e permanece com a estrutura física original preservada até hoje.
Casa Petita Brasil, década de 70
Autor Desconhecido/Acervo/Maurício Zouein
O piso de madeira ainda é o mesmo da época da construção, assim como os cômodos, as esquadrilhas, os móveis e até os puxadores das portas.
De arquitetura neoclássica, todo o alicerce, inclusive o porão e colunas, construídos em pedra jacaré por meio de uma técnica de mistura de pedra com barro, chamada adobe, permanece intacto. Móveis originais, de origem europeia, também permanecem preservados na casa.
A estrutura original da Casa Petita Brasil é mantida até hoje, com alguns toques pessoais da atual proprietária
Rayane Lima/g1 RR
Isso se deve à atual proprietária, Luiza Carmem (Petita) Brasil, filha de Adolpho Brasil. Guardiã do lugar e da história da família Brasil em Roraima, Petita readquiriu a casa, que já não pertencia aos donos originais.
Antes e depois da vista da frente da Casa Petita Brasil, a primeira foto é da década de 70
Autor Desconhecido/Acervo/Maurício Zouein e Rayane Lima/g1 RR
Em 1924, o lugar hospedou as primeiras madres beneditinas, responsáveis pela construção do Colégio São José. A Casa Petita Brasil Recebeu também a visita do ex-presidente Juscelino Kubitschek na época da campanha eleitoral, em 1955, e também já foi hospital e sede da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Casa Bandeirante
A Casa Bandeirante foi construída em 1898 para ser uma filial dos Armazéns Rosas, empresa do comendador Joaquim Gonçalves Araújo, conhecido como J.G Araújo, que comercializava mantimentos entre a Província do Rio Negro (Manaus) e a freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Boa Vista).
Casa Bandeirante, à época filial do Armazéns Rosas, de J.G Araújo, início dos anos 1900
Autor Desconhecido/Acervo/Maurício Zouein
Quando era dono da Casa Bandeirante, J.G também chegou a ser dono da Casa Petita Brasil. À época, ele cedeu o casarão ao gerente dos Amarzéns Rosas, Antônio Augusto Martins. Martins passou a Casa Petita Brasil para seu filho, José Augusto Martins, que a vendeu de volta para Petita Brasil, atual proprietária – há 40 anos.
Em 1958 o prédio comercial foi adquirido pelo migrante libanês Said Salomão – foi ele quem deu o nome do espaço para “Casa Bandeirantes”.
Hoje, o local que já foi o maior comércio da cidade, é anexo e depósito de uma loja de departamentos multinacional instalada na Avenida Jaime Brasil. A estrutura interna foi completamente alterada.
Casa Bandeirante atualmente funciona como depósito de uma loja multinacional
Rayane Lima/g1 RR
Casa das 12 portas
A Casa das 12 Portas, localizada no cruzamento das avenidas Jaime Brasil e Bento Brasil, no mesmo quarteirão da Casa Bandeirante, é até hoje um prédio comercial.
Casa das 12 portas na década de 70
Autor Desconhecido/Acervo/Maurício Zouein
O local passou por muitas reformas ao longo dos anos, que alteraram principalmente a parte interna. Apesar disso, o número de portas que renderam o nome do local permanece até hoje.
Hoje a casa das 12 portas funciona como assistência técnica de produtos eletrônicos
Rayane Lima/g1 RR
Atualmente, o lugar, que também já foi loja de celulares, funciona como assistência técnica de produtos eletrônicos.
Preservação da história
A Fazenda Boa Vista, a Igreja Matriz, a Casa Petita Brasil, a Casa Bandeirante e a Casa das 12 portas foram tombadas pela Prefeitura de Boa Vista, por meio do decreto nº 2614 de 1993. Apenas a Prelazia foi tombada em 1990, pela Lei n° 231.
Lugares de interesse cultural e ambiental são tombados pelo poder público com o objetivo de preservar a memória coletiva do local que representam – neste caso, o início da capital Boa Vista. A medida evita que bens materiais de valor histórico, cultural ou arquitetônico sejam destruídos ou descaracterizados ao longo dos anos.
No caso da Casa Petita Brasil, que junto com a Igreja Matriz, é o patrimônio histórico que mais teve suas características originais preservadas. A conservação do casarão hoje é feita por Luiza Carmem Brasil, a Petita Brasil – neta de Bento Brasil, que construiu a casa, ela mora na residência imponente às margens do roo Branco.
‘Guardiã da história da cidade’
Petita é a atual proprietária da Casa Petita Brasil, construída pelo Coronel Bento Brasil em 1888
João Gabriel Leitão/g1 RR
Petita Brasil refere-se a si mesma como “guardiã da história da cidade”. Em conversa com o g1, a descendente da família Brasil disse que a preservação de locais históricos pelo poder público é uma demonstração de respeito com os responsáveis pela construção da cidade e com a cultura local.
“A história tem que ser contada, não pode ficar sem contar. Isso enche os olhos. O moderno é belíssimo, mas o passado também emociona. Querem fazer a própria história, mas não devem apagar o que foi feito no passado, tem que ter respeito. Mais tarde eles passarão para a história, será que vão gostar se for acabado?”, questiona Petita.
Na avaliação da mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Paulina Onofre, apesar dos decretos de tombamento, faltam políticas de proteção e valorização dos bens históricos do estado.
“A não existência de uma política pública vai desde a não ter órgãos estruturados para trabalhar com a questão. Faltam profissionais nesses órgãos, orçamento para esses órgãos. Em muitos casos, o processo de destruição desses bens parte do próprio poder público”, ressalta a historiadora.
Como exemplo da destruição de bens históricos, Paulina citou o Hospital Nossa Senhora de Fátima, ‘destombado’ e demolido em 2015, e a derrubada do Museu Integrado, o único de Roraima. Petita Brasil também disse que, nesses dois casos, ela teve “muita tristeza”.
“Eu vejo isso com muita tristeza. Veio a destruição do Hospital Nossa Senhora de Fátima e assim foi acontecendo sucessivamente. Chorei muito quando vi que derrubaram o Museu, e chorei mais ainda quando o Ministério Público foi lá e viu em que situação o acervo estava, tanto o arqueológico quanto o da antropologia. Tudo deteriorado e mal acomodado. Isso é terrível”, desabafou.
Em maio desse ano, o prédio do Museu Integrado de Roraima, antes localizado no Parque Anauá, zona Leste de Boa Vista, foi demolido pelo governo após 12 anos de abandono. Ficavam expostos no local materiais arqueológicos, peças de arte, entre outros. Para especialistas consultados a demolição do prédio simbolizou o descaso com a história do estado.
Boa Vista em números
A população da cidade de Boa Vista chegou a 413.486 pessoas no Censo de 2022, o que representa um aumento de 45,43% em comparação com o Censo de 2010.
A pesquisa do IBGE também aponta que a cidade em Boa Vista tem uma densidade demográfica de 72,71 habitantes por km² e uma média de 3,39 moradores por residência.
A cidade tem 56 bairros, é administrada pelo prefeito Arthur Henrique (MDB), tem 24 vereadores e, em 2023, possui orçamento de R$ 1.981.881.991 bilhão.
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